Roda Gigante – 1935 do Outro Lado

Alguns poucos ali parecem dormir em seus caminhos. Daqui a pouco o movimento haverá de começar, bem depois de o horizonte ganhar explosões que tocam o azulado do oceano. Estrelas, poucas nuvens, brisa marítima e som de pedras. A madrugada parece correr de encontro aos pesares, enquanto lentamente saio da hipnose auto-induzida a que me submeti ao contemplar a vida perto do mar e das rodas gigantes.

Não sei se há terra depois de tanta água, mas é provável que haja. Também é provável que o Sol não fique maior lá adiante. É provável que as cores sejam ilusões ópticas, e que os ângulos sejam o que são apenas porque devam ser o que exatamente são. Contento-me em olhar o infinito buscando um traço diferente a cada maré nova que bate numa pedra – talvez as marés sejam guiadas mesmo por vontades lunares gradientes. Tento encontrar relíquias na forma de espirais e conchas indestrutíveis habitadas por tão somente uma criatura que saiba muito mais do mundo que meu cérebro jamais haverá de se enganar acreditando.

Hora ou outra alguém perde um relógio em meio às areias e aos castelos desmanchados, e outro alguém acaba por encontrar e tomar como tesouro para si próprio. Faz certo tempo que não acho nada senão espirais quebradas, conchas frágeis e pedaços ordinários de metal decomposto.

O horizonte parece incomodamente horizontal, sem qualquer traço diferente que me faça pensar em mudar a concepção de universo… O parque se ilumina na hora exata, com as mesmas cores avermelhadas. Até os visitantes parecem sempre ser os mesmos, com as mesmas roupas e mesmos costumes. Vão aos mesmos brinquedos, comem a mesma comida tóxica e gastam o mesmo dinheiro sujo.

Nenhuma alma perdida pedindo por um guia – ou por uma piada, que seja. Nenhum risco, nenhum cometa, nenhum novo fascínio, nenhum novo brilho nos olhos acostumados a saber que cor haverá de aparecer em determinados horários. Nada de novo, e nada me resta senão contemplar.

Há quem diga sobre tudo mudar apenas quando a visão própria muda a respeito do que há do lado de fora da janela. Todos os dias tento me convencer de que uma lâmpada vermelha não é da mesma cor vermelha que fora ontem, mas, ao fundo da inocência, sei que é igual, e que quando mudar será trocada para continuar tão próxima do igual o quanto deveria ser.

As águas também não deveriam parecer as mesmas. Há um mundo todo de mistura e de tormentas. Talvez não muito longe desses céus limpos e calmos haja uma tempestade, e piratas lutando bravamente contra si mesmos e contra os deuses dos mares para conseguir alcançar qualquer nova ilha que guarde fortunas antigas… Mas não vejo barcos, mesmo insistindo em procurá-los aos horizontes, até que meus olhos ardam…

A curvatura da Terra me esconde de mim mesmo. Do outro lado, em algum lugar, em alguma outra noite, o mar também parece igual.

E em toda manhã o mesmo dia volta a acontecer.

Um comentário em “Roda Gigante – 1935 do Outro Lado

Deixe um comentário